Afinal, por que escrever ciência é tão difícil?Alexandre V. Palaoro
O despertador toca. Aquele som agudo, alto, penetra fundo na sua mente e o desperta. Um novo dia começou, e de uma forma nada agradável. Você levanta, sonolento, pensando: “Por que eu tenho que levantar mesmo?”. Toma café da manhã e vai para o laboratório. Chegando lá, liga o computador, faz café, senta na frente do computador, abre o Word. Dá um pequeno, mas demorado, gole de café. Olha para a tela e pensa: “Agora a mágica vai começar!”. Todos aqueles longos meses de experimentos, sofrimentos, leituras noturnas de artigos (porque era o tempo que sobrava), todos eles preparando você para esse momento único. “Vou escrever minha tese agora”. Dois minutos passam; nada, nenhuma ideia. Após mais cinco minutos (que parecem uma hora), nada acontece. O piscar da linha do Word parece intimidante. Todas as palavras fugiram dos “seus dedos” — e você achando que tinha tudo delineado na sua cabeça, né? A partir daí é só ladeira abaixo. Dúvidas começam a surgir, você não sabe por onde começar. O desespero toma conta. Você não consegue escrever aquilo que vinha há anos planejando. Achou essa descrição similar a alguma coisa que aconteceu contigo? Ou com alguém que você conhece? “Meu deus, como ele sabe?” Será que eu deveria virar vidente? Apesar de eu gostar de acreditar que sim (#AlexandreVidente), isso é apenas um quadro muito comum entre os cientistas, independentemente da fase da jornada do cientista em que eles se encontram (A Jornada do Cientista). Todos cometemos dois erros fundamentais que destroem qualquer tentativa de escrita. O primeiro é pensar que é só “sentar e escrever”, que escrita é algo de “inspiração”. O segundo é pensar que nossa primeira versão vai ser o melhor pedaço de ciência já escrito, ever. Que o mundo vai ser lindo e todos vão amar o que você escreve logo de cara. Além de estar longe da verdade, essa frustação é contraprodutiva. Não produzimos com a qualidade que queremos e vivemos nessa pressão para escrever. Sempre na beira da ansiedade e podendo causar depressão. O que podemos fazer contra isso? O ponto que quero mostrar nesse texto é que precisamos praticar mais. Pode parecer estranho pensar em praticar escrita, mas não é. Em qualquer atividade que fazemos, há algum tipo de treino relacionado. Esportes requerem que você não só treine os movimentos, mas também seu corpo. Instrumentos musicais, nem se fala; só olhar o filme Whiplash – Em Busca da Perfeição. Cozinheiros passam anos treinando até abrir seus restaurantes (há documentários que dizem que a pessoa só se torna chef depois dos 45 anos – Chef’s Table é um desses exemplos). Até seus experimentos ficam melhores com mais prática: no início tudo é difícil, você pensa muito no que faz e os movimentos são desengonçados. No final, todas as tarefas parecem automáticas – você colocou os tips de 0,1 ml próximos das pipetas que vai utilizar para isso. Os tips de 0,05 ml, no entanto, estão mais próximos do PCR, pois são os últimos a serem utilizados. Tudo virou uma linha de montagem. Nessa altura dos experimentos, você não quer nem mais ajuda de outras pessoas porque “atrapalham seu fluxo de trabalho”. Então, por que acreditamos que escrever não precisa de treino? É uma atividade como qualquer outra. Todos os autores de sucesso escreveram e continuam escrevendo — e muito — todos os dias. Faz parte do ofício deles. Por que não fazemos o mesmo? “Mas eu preciso de algo para escrever Alexandre! Não é assim, sair escrevendo qualquer coisa! Eu me sinto culpado quando escrevo coisas que não são sobre a minha tese!”. Aqui cabem duas provocações. Primeiro, por que escrever sobre qualquer coisa é ruim? Segundo, será que esse sentimento de culpa, além de paralisante, não vem da forma como você encara a escrita? Ou seja, será que essa culpa não vem do “só escrevo porque preciso”? E se você tentar mudar a relação com a escrita, sua relação com o teclado? Fixe um horário na sua agenda, de meia hora que seja, para você só escrever, sobre absolutamente qualquer coisa. “Hoje eu vi uma borboleta com uma asa “defeituosa”. A parte mais basal (que eu tenho certeza que tem um nome, mas eu não sei) parecia “comida”. Isso deve influenciar muito na habilidade de voo dela. Como será que influencia a aerodinâmica dela? É bem provável que influencie até a sobrevivência, mas nunca li nada sobre. Estranho. Nota pessoal: eu realmente gosto de usar aspas” – Alexandre Palaoro, dia 21 de outubro de 2014 (primeiro ano do doutorado). Como vocês podem perceber, essa passagem de uma sessão de escrita se refere a algo do meu dia-a-dia. Na época não tinha nada a ver com minha tese. Só uns dois anos depois é que percebi que gostava de morfologia funcional e isso acabou sendo agregado às minhas pesquisas. O objetivo desse treino é simples: modificar sua relação com o teclado e com a tela branca. Quanto mais confortável você estiver ao escrever, melhor. Da próxima vez, encarar a tela branca não será tão intimidante. Em suma, a mensagem para vocês levarem para casa é: escrevam mais! Qualquer coisa serve! Façam um diário se necessário. O importante é transformar a escrita em hábito. O site http://750words.com usa essa ideia para ajudar as pessoas (mais sobre isso em outro post). O segundo é: descubram como vocês funcionam e adequem sua rotina de escrita a vocês. E lembrem-se: escrever perfeitamente logo de cara não é necessariamente o melhor processo; muitas vezes é mais produtivo você escrever muito e depois corrigir do que pensar muito e escrever pouco.
14 Comments
10/10/2017 10:55:23 am
Excelente texto, Alê! Parabéns por contribuir para a blogosfera acadêmica. Concordo plenamente com essas dicas. A gente deveria pensar em escrever como se fosse um músculo. Algo como um "escreviceps". Assim como para desenvolver o bíceps você precisa fazer rosca direta, rosca martelo, barra etc., para desenvolver o "escreviceps" você precisa de exercícios de redação e prática constante.
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10/10/2017 02:24:43 pm
É uma excelente analogia Marco - a qual serve, inclusive, para quase todas as áreas que necessitamos no trabalho, ler, pensar, apresentar...
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Soly
10/11/2017 12:19:51 pm
Obrigada pelo texto Alê/VP! Muitas recomendações que tenho escutado estão focadas no caminho a seguir após passar esse bloqueio inicial, já suas duas recomendações são as primeiras coisas a fazer para reconhecer a escrita como uma habilidade que dá para desenvolver, e chegar a sentir a mesma paixão que podemos sentir por fazer cada vez um ioga mais exigente ou tirar melhores fotos ;).
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10/11/2017 08:00:18 pm
Oi Soly!
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8/1/2022 07:05:11 pm
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8/4/2022 02:15:12 pm
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12/19/2022 12:59:18 pm
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1/4/2023 03:20:23 pm
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